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Domingo, 15.09.13

"Com os Holandeses" de José Rentes de Carvalho

Carvalho, José Rentes de. 2011. Com os Holandeses. Lisboa: Quetzal

 

Este foi o segundo livro que requisitei na Bilbioteca Municipal de Mondim de Basto. Trouxe-o a conselho do diretor da Biblioteca, na sequência da nossa habitual troca de impressões sobre interesses de leitura.

José Rentes de Carvalho nasceu em 1930 em Vila Nova de Gaia, uma das minhas terras de adoção (ali fui batizado e ali vivi, com os meus pais e irmãos, até ao termo da minha formação escolar e académica), mas revela-se um cosmopolita, um "estrangeirado" cuja lucidez me fez lembrar Eduardo Lourenço. O livro é uma compilação de crónicas, quase ensaios, muito simples e bem humorados, sobre a relação de Carvalho com a cultura holandesa, a nação onde vive há mais de cinquenta anos. Simplicidade não significa superficialidade nem ligeireza, daí a minha referência à inteligente lucidez do escritor. A sua escrita, assertiva, é semelhante ao traço de um caricaturista talentoso. Lembrei-me de Daniel Boorstin pela argúcia e pertinência das observações e de Esteves Cardoso pela nitidez do recorte das personagens que descreve.

Falando dos holandeses, diz muito de nós, os portugueses.

 

Amostras:

 

“Será correcto falar de revolução? Que acontece nesse campo que não acontecia ontem ou há mil anos? A mais do que tínhamos no passado, que temos hoje? Uma sexualidade triste, quando não repulsiva. Uma nivelação pelo mais baixo. A degradação do que poderia e deveria  ser valioso para o corpo e para o espírito. O que devia ser resguardado, acarinhado, protegido – porque é frágil – é rasgado, sacudido, rebaixado.

Que se quebrem tabus, muito bem, porque podem ser, embora nada garante que o seja, uma causa de infelicidade. Mas os fanáticos da revolução sexual destroem sem construir, vão demolindo e deixam ruínas, permitindo que se lhes ponha em dúvida tanto a potência do corpo, como do espírito.

Tremendo e temendo não fazer o que os outros fazem, o holandês, assutado de que não o considerem moderno, que digam dele que não está a par ou não faz com se faz lá fora – sempre esse espírito mesquinho de competir, que tão ridícula torna a civilização ocidental – vai aceitando que a troco de uma ilusão de liberdade lhe retirem o que George Steiner – in Language and Silence (Faber & Faber, 1967) – denomina o mais precioso dos direitos: «o direito de uma vida de sentimentos íntimos.» Acrescentando: «Os pornógrafos de hoje atacam as nossas últimas e mais vitais defesas, roubando-nos a imaginação. Tiram-nos as palavras que pertenciam à noite e gritam-nas por sobre os telhados até que elas se esvaziam de sentido. E não é por simples acaso (como Orwell mostrou) que a uniformidade da vida sexual, quer resulte de um desregramento controlado ou de um puritanismo imposto, acompanha os regime totalitários.»

(Da crónica “Revolução religiosa e revolução sexual” pág. 119 e 120)

 

“Ele [Joop] não vai ter de esperar, como eu, de quem talvez nem os bisnetos venham a conhecer um mundo mais feliz que este, sociedades mais justas, menos ódio, um tempo em que a frase homo homini lupus precise de ser explicada às crianças, como exemplo da crueldade inútil e bárbara do passado, um mundo com menos fome e menos guerra.

Joop vai viver tudo isso, não vai envelhecer, a varinha de condão tornará o globo um imenso e permanente Woodstock.

È uma pergunta que muitas vezes me faço e fica sem resposta, a de saber as razões que levam os responsáveis – mas quem é responsável? Não somos todos? – a uma tão enorme demissão perante a juventude.

Maléficos são os que negam aos jovens aquilo a que eles têm direito, inclusive a liberdade de erra, as sua ansiosas tentativas de mudar o mundo, a pressa de viver. Mas piores, sinistros, hipócrita, são os outros que gritam alto que só a juventude tem razão, que la pode tudo, e ao mesmo tempo seguram com firmeza as cordas do Poder e preparam amanhãs cinzentos e tristes.

Os milhões de Joop a quem se dá a liberdade de aprender menos que o mínimo, em que se estimula a crítica irracional e impotente de todos os valores, serão amanhã a mais dócil e apática das massas, alfabetizada o suficiente para possibilitar a administração.

(…) Agitando no ar o catecismo do grande timoneiro Mao, e tristemente incapaz de formular dois pensamentos sem auxílio dos clichés eu tão sabiamente lhe são sugerido. Pobre Joop que ri da religião e sem se dar conta se prosterna já diante doutros santos, doutros profestas, doutros mártires, e amanhã irá talvez a outra missa, obrigatória no dia de descanso.”

(Da crónica “Joop e a terceira revolução” pág. 126 e 127)

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