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Sábado, 01.05.21

"A Praça de Liége" de António Rebordão Navarro

Praca_de_Liege navarro.jpg

Navarro, António Rebordão. 1988. A Praça de Liége. Círculo de Leitores. Lisboa

[Em progresso; não concluído]

Há muitos anos que pretendia ler este livro, editado pelo Círculo de Leitores em 1988 e, quase desde então, nas prateleiras da minha pequena biblioteca. Fiz várias tentativas para o concretizar mas, num momento ou noutro, perdia-me na catadupa das palavras e desistia, voltando a pô-lo na devida ordem: no "N" de Navarro, secção da "literatura portuguesa". Com a minha mais recente incursão n'O Grande Porto, surgiu uma oportunidade que não podia perder. Apesar do pretexto e da súbita motivação, não posso dizer que tenha sido, lê-lo, uma tarefa fácil. Na verdade, tive de o fazer em duas "levas", voltando atrás e à frente e, tomando notas escritas sobre os personagens, suas famílias e ligações. Porque a redação de Navarro lembra a pintura impressionista, a necessitar de distância para revelar a luz, a cor e, por fim, a forma dos ambientes narrados. Cada longo parágrafo compõe-se de uma profusa sugestão de imagens, de cores, cheiros e movimentos, que apelam à nossa experiência sensorial, para construir quadros que evoluem como se percorrêssemos um salão de exposições ou vislumbrássemos as cenas de um filme, não sem nos exigir uma permanente vigilância, para que não se perca o "fio" narrativo da ficção.

Apesar de percorrer várias gerações, o autor centra a narrativa no ano de 1939, ao citar um discurso de António Oliveira Salazar, proferido, na Assembleia Nacional, a 10 de outubro desse ano (pág. 34). E como era o ambiente social, desse pedaço da cidade do Porto, conhecido por "Praça de Liége"? Descreve-o o romancista: Era uma colectividade disposta ao redor de uma praceta quadrangular, de chão de saibro, com canteiros de erva pisada, uma concha de pedra, bancos corridos entre pilares graníticos, para onde incidiam oito ruas, seis das quais rampantes, com todas as casas (...) à face dos passeios. Era uma comunidade de médios industriais, de que escapava à regra um ou outro por maior ou menor, de médios comerciantes com as mesmas variações, de profisssionais livres ou nem tanto como se supunha, de capitães do Exército, de professores, comandantes da Polícia, polícias de segurança pública, pilotos da barra, outros funcionários públicos ou privados ou acumulando ambos os estatutos. (...) As pessoas conheciam-se, cumprimentavam-se, eram muito capazes de saber o que ocorria nas casas dos vizinhos. (páginas 29 e 30)

Para quem conhece estes bairros do Porto, é saboroso percorrer estas ruas ora íngremes, ora paralelas às margens da Foz do Douro, fazendo da "Praça de Liége" muito mais que uma simples praça, mas todo um "passeio", uma "luz" de sol posto à beira-mar, à beira-rio, na agitação natural da sua paisagem de vento, vagas e jardins, caminhantes, viaturas e carros elétricos...

O romance gira, portanto, à volta das casas, das gerações, de famílias residentes na Praça de Liége e suas imediações, onde se inclui o vetusto "Mercado da Foz" [do Douro], na cidade do Porto, nos anos de 1939/1940: os Aljezur, os Carvalhais, os Bresson de Andrade e os Câmara Dias. De entre todos os personagens destacam-se duas figuras femininas: Frederica Bresson de Andrade e Eduarda Câmara Dias.

Frederica atravessa as páginas do romance como uma diva de cinema que, "arte" que por aqueles anos surgia, assumindo um feminismo mal pressentido e uma vida social, cosmopolita, quase escandalosa, para os critérios do tempo. Como em outros personagens desta época, de outros romances e filmes, a irreverência esconde a sua verdadeira fragilidade. Irrompe, provocante, numa viagem de elétrico (pág. 88 da edição do Círculo de Leitores em epígrafe referida) mas termina num quarto obscuro, derrotada por sucessivos insucessos dos relacionamentos amorosos. Não surpreende que outras mulheres desdenhem da sua beleza e atitude, julgando o seu caráter pelo modo como veste e se comporta para, no final, percebermos quanta generosidade sempre guardou no seu coração.

Vejamos, então, como nos surge, no contexto da narrativa, Frederica Bresson de Andrade:
(...) aquele Outubro propagaria outros fogos, outros cataclismos.
Se um deles tivesse de ter nome, como o teriam os ciclones devastadores, o mais apropriado seria o de Frederica. Porque, interrompendo as notícias dos jornais, o percurso do rio, as sirenes dos navios a entrar e a sair da barra, desanuviando os nevoeiros matinais indiciando que o tempo ia mudar, destruindo as conversas, as pausas, os bocejos, Frederica ocuparia os dias.
Os eléctricos enchiam-se com ela de um perturbante fascínio (...) nos gestos de acender um cigarro, de abrir um livro, (...) 
[os homens e os adolescentes] com mais ou menos discrição, [a] demorarem o olhar nas suas pernas, nos artelhos delgados, no busto radiante, na pele morena, não de praia mas [de] raça (...) no nariz de aletas muito finas, nos olhos de um verde quase líquido, nos pómulos não pronunciados mas evidentes, concedendo-lhe parentesco próxmimo com certas divindades primitivas. (páginas 87 e 88)

Por sua vez, Eduarda apresenta-se-nos relativamente discreta, cortesã, fada-do-lar, com seus dotes de bem receber. O romancista consegue manter-nos suspensos do seu secretismo, quase irrelevância, por contraste com Frederica, até nos levar a um desfecho surpreendente. Muito subtilmente, sem disso termos a certeza senão no final do romance, percebemos que esta irrepreensível esposa, mãe-de-família e dona de casa, esconde um comportamento homossexual bastante promíscuo. Tendo começado a frequentar, com alguma regularidade, a casa do seu primo Duarte Câmara Dias, (...) o engenheiro Carvalhais (...) não deixava de andar vagamente nervoso. Desde que fora a casa dos Câmara Dias já conhecera três ou quatro parentes, primas, afilhadas, sobrinhas, da Sr. D. Eduarda, todas muito diferentes entre si. À primeira que era esbelta, diáfana quase, na sua timidez sucedera outra que se pintava muito, ria grosseiramente, sacudindo nos roliços braços, de sinais negros pintalgados, escandalosíssimas pulseiras de agressivo mau gosto e pechisbeque, e a esta uma outra com o seu quê de exótico, em tom de pele, cor de cabelo, desenho dos lábios evocando aquela filha do Bresson de Andrade, desvairando o cunhado. Não contando com uma rapariguita, algo estrábica, que vislumbrara à janela da casa da rua do Farol, mas que nunca se sentara à mesa dos almoços dos sábados. (páginas 25 e 26)

Mas uma terceira figura, também feminina, emerge como que uma narradora, desde as primeiras páginas do romance. Trata-se de Blandina que, ao ser contratada para servir em casa da família Aljezur, entrelaça os desígnios da sua vida, com a vida das famílias da Praça.

Os Aljezur

O Conselheiro (juíz desembargador) Chaves Aljezur casou duas vezes. Ausenda Aljezur (aliás Ausendinha) é fruto do primeiro casamento. São seus irmãos, filhos do segundo casamento: Albano Aljezur, médico; Edite e Isaura, professoras; Juvita Aljezur. Esta última vem a casar com Camilo Carvalhais.
Albano Aljezur também teve duas mulheres: Helga Aguiar e Frederica Bresson de Andrade.

Os Carvalhais

Camilo Carvalhais casa com Juvita Aljezur de quem terá três filhos: Hermínia, Irene e Carlos Carvalhais.

Os Bresson de Andrade

O pai dos Bresson de Andrade não é nomeado. Seria proprietário de uma metalúrgica (pág. 67). Terá casado com uma modesta "tricana", chamada Glória Frederica (a confirmar), cuja irmã, Florisbela "deitava" cartas (pág.s 60 e 61). Os filhos do casal Bresson de Andrade são Frederica, José Filipe, Horácio e Ivo. Ivo é paraplégico. Horácio, o irmão mais novo de Frederica, é germanófilo, simpatizante Nazi; despreza as origens familiares da sua mãe, e convive com a mais alta burguesia da "Avenida Marechal Gomes da Costa", da "Avenida da Boavista" e do "Passeio Alegre". Pelo contrário, José Filipe é um operário rústico, rude, dado a exageros; trabalha numa carpintaria.
Frederica escolhe ser desflorada pelo guarda-livros do pai, Júlio Fermentelos; uma resolução sem explicação aparente que parece nascer de uma espécie de enfado, de uma vontade de "resolver" um dilema. Tem um primeiro caso, sentimental, com Heitor Paiva Campos com quem vive numa casa, decrépita, em Campanhã. Depois deste primeiro relacionamento, Frederica conhece o primo de Heitor, Cândido, que vem a ser o seu segundo amante. Após Horácio, irmão de Frederica, provocar públicamente Cândido, este responde à provocação com um golpe violento que deixará marcas no físico de Horácio Bresson de Andrade, mas também na relação sentimental de Frederica com Cândido. A partir daqui, o médico Albano Aljezur, visita regularmente a casa dos Bresson de Andrade e apaixona-se por Frederica. "Livre" e confusa, Frederica deixa-se seduzir sem resistência nem entusiasmo, depois de saber que a mulher de Albano, Helga Aguiar, o abandonara (pág. 116). Por ela, por causa dela, Albano Aljezur perderá a família e o estatuto social.

São tias dos Bresson de Andrade, Florisbela e Glória Frederica (a confirmar).

Os Câmara Dias

Duarte Câmara Dias, o pai, casado com Eduarda, a mãe. Eduardo, o filho.
Duarte Câmara Dias é diretor de um banco e, por um mero acaso, primo de Camilo Carvalhais, em segundo grau.
Em casa dos Câmara Dias vive, ainda, a jovem Carlota, convenientemente dada como prima de D. Eduarda.

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