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uma bibliografia de trazer por casa
Amaral, Bruno Vieira. 2013. Guia para 50 personagens da ficção portuguesa. Lisboa: Guerra & Paz
A 4 de outubro de 2013 estive na apresentação deste livro, feita pelo próprio autor, na Biblioteca Municipal de Mondim de Basto. Bruno Amaral sublinhou a importância da relação que se estabelece entre o leitor e "a" personagem. Somos seres de relação e a literatura é uma manifestação dessa condição. Segundo o autor, a profundidade dos relacionamentos que estabelecemos com as personagens das nossas leituras chega a ser, com relativa facilidade, mais forte do que as que estabelecemos com pessoas reais. Numa espécie de confidência afirmou ter chorado após a leitura do episódio da morte do velho Afonso Maia (de Os Maias de Eça de Queirós): "tive de fechar o livro e chorei" como se de um familiar próximo se tratasse.
Questionado, após a sua intervenção, sobre a forma como via o sucesso literário de alguns autores que muito devem ao facto de, à partida, serem figuras públicas de outras áreas de intervenção, nomeadamente animadores e "pivots" de canais de televisão, Bruno Amaral disse haver necessidade de distinguir entre "literatura" e "publicação de livros". Sublinhou, no essencial, o que já havia afirmado na sua intervenção: ler certos livros é um mero exercício lúdico, como fazer uma viagem num "comboio de feira"; entramos, fazemos um determinado percurso por entre uns quantos cenários e situações, mais ou menos surpreendentes, mas logo regressamos ao ponto de partida; saímos como entramos; a leitura em nada tocou o nosso ser, em nada nos modificou; não é assim com a literatura; esta afecta-nos realmente e, após a viagem que através dela empreendemos, após o convívios com a personagem ou as personagens dessa ficção, somos "outro", somos diferentes.
O texto lido por Bruno Amaral, na sessão de apresentação, está publicado no seu "blog" Circo de Lama, sob o título Criar Personagens. Vale a pena lê-lo. Não apenas pela sua qualidade literária como pela reflexão sobre o tema da criação da personagem, do modo como o autor com ela convive e, enfim, chega ao leitor.
O livro, em si, é um catálogo de "bonecos", um album de "cromos" que o autor compôs criteriosamente e guardou para si ao longo de anos de leitura. Cada referência deste catálogo, "jardim antropológico da ficção portuguesa", no subtítulo, é um pequeno ensaio, de duas páginas, que esboça o retrato, sobretudo psicológico, da personagem escolhida, no seu contexto social. Uma ilustração da sua condição limitada e efémera, filtrada pelo olhar do seu criador (o autor do romance de onde é retirado), do Bruno Amaral e, por fim, como num jogo de espelhos, por nós, enquanto leitores do leitor e deste leitor-narrador.
Amostras:
Sobre Walter Glória Dias, personagem de Lídia Jorge, do romance O Vale da Paixão (1998):
"Podíamos dividir as personagens de ficção em duas categorias: os sedentários e os nómadas. Os que não saem de um limitado espaço geográfico, embora emocionalmente possam navegar para muito longe, e os que têm no mundo inteiro a sua casa, nascidos sob o signo da êrrância." (Amaral 2013: 33)
Sobre o Viúvo, personagem de Fernando Dacosta, do romance O Viúvo (1986):
"Por cada homen que embarcou nas caravelas, por cada emigrante que partiu à procura de uma outra vida, por cada soldado para as colónias, houve sempre alguém que ficou, sedentário, cingido à terra como um enxerto numa árvore, incrustado na ferida do país, a sonhar o que os outros fizeram, observando-os a uma distância segura." (Amaral 2013: 37)
Sobre Juliana, personagem de Eça de Queirós, do romance O Primo Basílio (1878):
"Nem sequer admitimos a redenção, ela [a personagem] que nem pense em arrepender-se. Queremos que prossiga na senda da maldade, até ao fim, para que o castigo - tem de haver um castigo - sacie a nossa sede de justiça e a ficção cumpra a sua função catárquica." (Amaral 2013: 45)
Sobre o Professor, personagem de José Rentes de Carvalho, do romance A Amante Holandesa (2003):
"Um dos fascínios de ficção é o de nos predispor a simpatizar com pessoas que, se fossem reais, não hesitaríamos em condenar. (...) As palavras que aparecem em Guerra e Paz tranquilizam-nos a consciência: «Tout comprendre, c'est tout pardonner.» E nós compreendemos este homem. E perdoamo-lo. (Amaral 2013: 195 e 196)
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